02 agosto 2012

Música eletrônica?


Que bodega é música eletrônica??

Os tais "gêneros de música" foram inventados para dar uma  localização histórica da música.

Quando nos referimos a música clássica , geralmente estamos falando de música européia de concerto composta entre os séculos 18 e 20.  Quando falamos de soul music geralmente estamos fazendo referência à música norte-americana "de preto "dos anos 50 e 70 do Século 20 ( infelizmente nos EUA, até muito pouco tempo atrás, existia essa coisa nefasta de música "de preto" e música "de branco").

Instrumentos são apenas meios, por isso não existe um gênero chamado "música de clarineta", já que isso incluiría Benny Goodman  ,Mozart e Don Byron no mesmo gênero musical, e não serviria portanto para nenhuma localização histórica .

 Se generos musicais existem para delimitar um certo período histórico , é evidente que  não  faz sentido nenhum sentido  se referir a música eletrônica como um gênero musical .

Que diabos seria essa tal de música eletrônica? Ela incluiria as experiências com sintetizadores de compositores clássicos como Karheinz Stockhausen e as programações de Djs para as pistas de dança?

Música eletrônica como genero musical é portanto um equívoco.

Se o uso de recursos eletrônicos é cada vez mais difundido na produção musical de todos os gêneros, é evidente que música eletrônica é cada vez mais nomeia um processo e não um gênero.

10 fevereiro 2011

Muita teoria e pouca prática.

Caríssimos,

"Quem gosta de arte é banqueiro , artista gosta é de dinheiro" .

A frase ,cujo autor  desconheço , é obviamente um absurdo , já que para fazer arte é antes preciso apreciá-la.
Mas ela chama atenção para uma verdade fundamental sobre a atividade artística. Fazer dinheiro com a sua obra é um problema permanente do artista.

Parece ter se perdido de vista, nessa discussão recente sobre o direito autoral, a razão essencial da existência dessa precária construção jurídica : Garantir o equilíbrio nos negócios entre criadores e os consumidores da sua criação .

É importante  lembrar que não foram os direitos autorais que "inventaram" o comércio da criação artística. Negócios entre criadores e consumidores  acontecem desde muito antes de existirem leis sobre isso. Os direitos autorais são apenas a garantia que o  Estado oferece para os negócios privados de comércio da criação. Só isso.

Quando compramos um cacho de banana na feira não pensamos sobre as implicações legais desse gesto, porque nesse  ato comercial simples as partes normalmente ficam relativamente satisfeitas com o negócio. Com ênfase no "relativamente" , já que em negócios não há nunca satisfação total possível. 

Mas se as bananas estiverem estragadas, ou se a virmos um cacho semelhante por metade do preço em outra banca da feira , subitamente nos recordaremos dos direitos dos consumidores e de outras garantias legais.

Quando um negócio entre particulares dá certo , quando as partes saem da negociação com a sensação de que fizeram o melhor negócio possível, ninguém se lembra de recorrer à Justiça.

A lei e a Justiça só aparecem, quando o negócio deu errado, quando alguém se sente injustiçado.

Lembro de outra frase, essa do governante reformista chinês Deng-Xiao-Ping - "Não importa a cor do gato, o que importa é que ele pegue o rato". O que importa na prática para o artista não é o direito que ele tem sobre a sua obra , o que importa finalmente é o "din-din" que vai bater na sua conta. 

Muitos atores nessa pantomima querem vesti-la como uma questão de princípios. Como se houvesse alguma divergência fundamental em relação ao poder do artista sobre a sua obra entre o campo dos "modernautas" do Creative Commons e os "reacionários" do velho direito do autor.

Papo furado. A questão central de toda essa discussão é mesmo o velho e bom vil metal.

Observo que enquanto a classe musical está em pé-de-guerra sobre uma reforma dos direitos autorais , criadores de outras formas de arte raramente se manifestam sobre o tema.   

Ocorre que nós músicos e compositores, estávamos  descansando na praia , justamente na hora em que o tsunami digital chegou arrastando tudo. Então é natural que sentindo nos nossos bolsos os seus efeitos devastadores, sejamos os primeiros a chiar. Mas em breve, escritores e cineastas juntarão suas vozes a essa gritaria.

Mas todo esse barulho serve para muito pouco , enquanto ninguém souber qual é o negócio possível entre os criadores e os consumidores de obras reproduzíveis.

O problema é que o negócio de vender a arte que pode ser reproduzida está em fluxo , vivendo uma transformação acelerada que vai nos levar a algum lugar ainda desconhecido.

Esse é o "X"  da questão. Porque as leis são criadas para estabelecer a equidade entre as partes  em modalidades de negócio que já existem na realidade do mundo.

Voltando à feira. A lei obriga o feirante a aferir sua balança porque  se vendem coisas a peso nas feiras. O "dever ser" da lei só existe porque a prática do mercado já definiu seus parâmetros.

E no momento não há parâmetros no mundo digital, porque o negócio que existia está sendo desmontado , e o novo negócio ainda não apareceu. Portanto discutir novas leis nesse momento é antes de tudo intempestivo.

Por outro lado, temos que convir que não será tentando manter a qualquer custo um modelo de negócio que faz água por todos os lados , que vamos conseguir melhorar o saldo bancário dos criadores.

Um pouco mais de pragmatismo comercial e um pouco menos de idealismo jurídico, fariam muito bem a essa discussão.

Se os detentores de direitos autorais  forem mais receptivos a idéias novas sobre como fazer dinheiro com as suas obras, e os "geeks" forem mais receptivos a idéia de que criadores têm contas para pagar como todo mundo, podemos acelerar muito o inevitável processo de tentativa e erro que levará ao aparecimento de um novo modelo de negócios para a criação artística.    
     
Resumindo : Tem muito direito e pouco negócio nessa discussão.  Quem gera dinheiro , que é o que anda faltando no  bolso dos criadores, são os  negócios, não os direitos.   

Saudações Musicais,

Beni

12 fevereiro 2010

Arte e tecnologia?


Em junho próximo acontecerá em Nova Iorque o leilão do acervo de  obras de arte da Polaroid.

O acervo conta com obras de  alguns dos mais renomados artistas plásticos americanos do século XX , como os fotógrafos Ansel Adams e Robert Mapplethorpe e pintores como Robert Rauschenberg  e Andy Warhol , esse um viciado declarado em polaróides.

Como é que essas obras foram se constituir numa das propriedades mais valiosas da massa falida da Polaroid?

É uma história simples e que revela como arte e tecnologia se beneficiam mutuamente pela convivência próxima.

Edwin H. Land , o inventor do filme de revelação instantânea e fundador da Polaroid, além de ser um químico genial era um sujeito que pensava com a própria cabeça. Ele percebeu que o desenvolvimento da tecnologia da fotografia instantânea necessitava da colaboração de quem a usasse de forma criativa. Por isso deu de presente ao fotógrafo Ansel Adams um dos protótipos de sua primeira câmera de fotografia instantânea.  

Os comentários de Adams sobre a máquina foram tão úteis, que Land o contratou como consultor . Instado por ele a  Polaroid iniciou uma política de dar câmera e filmes para os artistas em troca de algumas fotos,  que colecionadas ao longo dos anos , resultam no acervo que agora vai ser leiloado .

Meu filho Francisco de 8 anos descobriu os Beatles. Por conta disso, tenho sido forçado a ouvir compulsivamente a obra completa  remasterizada lançada no ano passado.  

Os Beatles continuam impressionando os ouvidos de hoje, não apenas pela genialidade musical , mas também porque suas gravações são um modelo de integração entre arte e tecnologia.

Nos  estúdios de Abbey Road , onde os Beatles registraram a maior parte da sua obra , o grupo não encontrou apenas um local adequado para registros sonoros, mas uma cultura de inovação e criatividade em tecnologia.

Se os quatros cavalheiros de Liverpool criaram canções que desafiam o tempo, ouvindo outros discos  gravados na mesma época em Abbey Road como ¨Piper at the Gates of Dawn¨ do Pink Floyd ou  ¨Begin Here¨ do The  Zombies , se verifica que a inovação sonora dos Beatles não foi exceção , mas era a regra nos estúdios da EMI.

Os plug-ins  do meu Pro-Tools , cheios de imitações de efeitos criados na época ,atestam o poder da interação entre artistas criativos e engenheiros curiosos.    

Hoje , zonzo diante de  tantas inovações tecnológicas,  me pergunto:

Onde e quando será agora esse encontro entre arte e tecnologia?  

10 novembro 2009

Em outros tempos, quando eu raramente usava dinheiro de plástico, meus recibos de compras em cartão de crédito saiam da minha carteira para serem arquivados. Em algum momento os papeizinhos seriam analisados, e serviriam para controlar meus gastos e conferir a cobrança das despesas no cartão. 

Hoje até camelô aceita cartão. E os recibos se avolumam de tal forma na minha carteira , que regularmente sou obrigado a dar a eles um destino. Então depois de alguns instantes de culpa, as dezenas de recibos que juntei são inapelavelmente remetidos para a lata de lixo. 

A culpa pela eliminação das provas do meu descontrole financeiro, é sempre ultrapassada pelo simples reconhecimento que jamais terei tempo de arquivar e conferir todos aqueles recibos. 

Qualquer informação é inútil se não for arquivada e processada. 
Manter arquivos é uma coisa que dá um trabalho medonho , processar as informações contidas neles, o grande sorvedouro de tempo que esgota as nossas vidas.

O desenvolvimento dos métodos de classificação é a grande invenção ignorada da humanidade. Foi a capacidade de organizar o conhecimento em categorias e índices, que possibilitou a humanidade acumular informações muito além da memória individual de qualquer um. 
 

Por isso, compreendo perfeitamente essa psicose por listas que nos aflige nos últimos tempos. Fazer uma lista é o primeiro passo de qualquer processo de classificação. 

Ter toda a música gravada do mundo disponível para consumo imediato a qualquer instante , exige de nós, amantes da música, uma completa reorganização de nossos sistemas de classificação , uma tarefa hercúlea, para a qual a mídia pretende colaborar elaborando toda espécie de lista. 

Os mil discos que você precisa ouvir antes de morrer, as cem melhores músicas de todos os tempos, os dez lançamentos obrigatórios do ano , essas e uma infinidade de outras ,são tentativas de nos ajudar a navegar o mar de música que subitamente entrou nas nossas possibilidades de audição.

O problema é que esse bem intencionado esforço classificatório esbarra na natureza da obra de arte. 

Podemos afirmar que o Usain Bolt é o melhor corredor de cem metros do mundo , porque ele correu mais rápido que os melhores do mundo nessa modalidade. O critério de comparação é simples e objetivo, quem faz o percurso no menor tempo é o melhor.

Arte não é esporte. Não existe o melhor guitarrista, o pior disco, o melhor show ou o pior cantor. Não há melhor ou o pior ,simplesmente porque não há como comparar. 

A única maneira de comparar coisas diferentes é pela função. Podemos fazer uma lista das melhores pastas de dente porque ,embora sejam diferentes entre si , elas servem ao mesmo propósito: limpar os dentes. Então, as que limparem mais os dentes serão as melhores. 

Criações artísticas não vêm com instruções de uso como pastas de dente, porque elas servem funções diferentes, para diferentes consumidores. Essa é a natureza da brincadeira. É o que faz produzir qualquer forma de arte uma aventura no desconhecido. 

Se algum produto cultural ,por mais tosco que seja, encontra um público , é porque algum valor o consumidor viu nele. Um valor que muitas vezes o próprio criador desconhecia. Música serve para muitas coisas para pessoas diferentes. 

Há muita música feita para finalidades específicas : música para dançar,para louvar a Deus, para andar atrás de trio elétrico , para relaxar, etc e tal. Mas nada impede o ouvinte de ouvir com satisfação uma música feita para uma situação, em outra, completamente diferente daquela para qual foi originalmente criada. 

Conta a lenda que as variações Goldberg foram compostas por Bach para fazer dormir um conde que sofria de uma insônia terrível. Isso não impediu o pianista Glen Gould de transformar as variações, uma obra esquecida de Bach, num dos grandes sucessos da história da música de concerto. 

Por mais que irrite os criadores (e como irrita!), é a crítica que tem o papel de classificar música. Essa classificação não é um processo instantâneo e definitivo, como as listas querem fazer acreditar.

Pelo contrário, é lento e tortuoso o caminho que leva qualquer música a se tornar um clássico. 

Só o tempo ,muito tempo, determina o que fica e o que vai ser esquecido. Querer adiantar a história e inventar o clássico, antes que o tempo faça o seu trabalho de depuração, é uma bruta perda de tempo.

26 setembro 2009

Rock X Rock = 0

Roqueiro é a tua mãe! 

Essa resposta esteve na ponta da minha língua  sempre que me chamaram por esse adjetivo infeliz. Nada mais justo. Afinal,  foi depois de ver o Art Blakey  & The Jazz Messengers na Sala Cecília Meireles que eu resolvi virar baterista. Mas ,como eu de fato tocava numa banda de rock,  minha indignação ficava  absurda diante da realidade.


Como qualquer adolescente dos anos 70 doido por música , eu ouvi muito rock. Furei vinis de Beatles, Cream ,Hendrix, Who, Zappa e Led Zeppelin ,era doido por Dylan,The Band e Neil Young ,amava Pink Floyd , Genesis e Jethro Tull.
Mas essas doses maçiças de rock se equilibravam na minha dieta musical com  porções generosas de Mingus, Wonder , Monk, Gaye, Miles e Weather Report. 
Claro que isso tudo além da onipresente música brasileira , Gil, Milton, Benjor, Caetano, Maia, Jobim, Da Vila e Da Viola e mais milhares de outros que fizeram a trilha sonora dos meus primeiros vinte anos.  Meu interesse por música me conduziu a apreciar os  mais disparatados gêneros musicais, da experimentação eletrônia  ao samba de raiz, do blues à musica sinfônica , qualquer barulho organizado sempre  me interessou.   


Descobri com alegria nos primeiros anos de atividade profissional, que isso não acontecia só comigo.
Muitos dos meus colegas ¨roqueiros¨ tinham interesses semelhantes e mais surpreendentemente alguns ¨sambistas¨ eram profundos conhecedores de heavy metal. Claro que havia os puristas , os que achavam que tudo que não fosse o gênero que eles faziam era uma porcaria, mas muito frequentemente eles não iam muito longe. Entre músicos o interesse por todas as formas de música é a regra, o purismo a exceção.  


Apesar de me emputecer quando queriam me restringir ao gênero, não posso negar que a minha atitude em relação a música foi determinantemente moldada pelo rock.



Rock é  música bastarda por definição. Apropriação indébita é a única regra estável desse gênero-polvo que abraça com seus tentáculos de Renato e seus Blue Caps ao Sepultura. Foi essa disposição para  a permanente eletrificação e esculhambação das mais diversas tradições musicais que me interessou, e foi ela que fez com que durante 50 anos a marca ¨rock¨ se mantivesse como a principal fonte de inovação da música popular. 

Mas parece que isso é definitivamente passado. 
Claro que existem hoje atuantes dezenas de bandas de rock tão boas quanto as dos anos 70. Mas os Radioheads e Wilcos da vida,  artistas que continuam empenhados na incorporação de novas formas ao formato guitarras/teclados /baixo/bateria , não definem mais o gênero.


¨Rock¨ para um adolescente brasileiro de hoje interessado por música é uma fórmula , um gênero que tem tanta vitalidade criativa quanto o bolero, a rumba ,ou qualquer daqueles outros nomes que aparecem nos ritmos pré-programados dos teclados baratos. 
Por isso as novidades interessantes da música brasileira recente se classificam como qualquer coisa menos rock. 

Não há razão para choro nem vela ,  na medida em que a antropofagia de estilos, a liberdade de usar qualquer tradição musical que lhe venha aos dedos permeia a  produção desses novos artistas. Ou seja a tal ¨atitude¨ rock  permanece , ainda que sob muitos outros nomes. 

Para artistas da minha geração,  do tal ¨BRock¨( como o Dapieve definiu) , isso pode parecer um sinal de irrelevância.  Mas na verdade eles já não precisam mais se filiar a nenhum gênero, sua história já é suficiente para defini-los. Um jovem que ouve hoje ¨Inútil¨ do Ultraje à Rigor pela primeira vez,  não pensa que está ouvindo um rock, para ele é apenas um clássico essencial da canção brasileira.  

 Em vista disso , se alguém me chamar de roqueiro hoje , eu inváriavelmente responderei : roqueiro é a  PQP.
  

     

18 setembro 2009

Criadores de Mundos

Alguém duvida que Maria Bethânia seja uma grande artista brasileira? 

A pergunta não se refere ao meu ,ou ao seu, gosto pessoal, isso é outra questão (grandes artistas necessariamente não agradam a todos), mas ao simples reconhecimento factual do papel de Bethânia na formação do nosso inconsciente coletivo nacional.  

Então ,não há duvida. Independentemente da nossa apreciação pessoal pelo trabalho dela, Maria Bethânia está inscrita na lista daqueles artistas que fazem a cabeça do Brasil. 

Bethânia chegou a essa condição de inquestionável relevância,sem compor uma única canção, sem, além do seu canto,nenhuma contribuição musical aparente ao seu trabalho. Como pode? 

Normalmente, nós associamos autoria à idéia de composição.
O compositor é o autor , o intérprete o veículo. Mas nessa altura do campeonato, passados mais de quarenta anos do aparecimento de Bethânia como intérprete, não dá pra questionar a autoridade dela sobre o próprio trabalho.Autoridade que vem da autoria. 
Mas se ela não compõe as canções , se ela não faz os arranjos, onde está a criação original de Maria Bethânia? 

Artista é alguém que inventa um pequeno mundo. Bethânia, na seleção das músicas que grava, na escolha dos músicos que trabalham com ela, nos textos que declama nos seus shows, revela ao público muito claramente uma visão do mundo altamente original e pessoal . Como Sinatra ou Piaf, ela criou seu planeta particular com música e palavras de outros. 

Hoje, muitos intérpretes acham que compor o seu próprio repertório é o único meio de ser reconhecido como um artista importante, merecedor da atenção e do dinheiro do público. 

Isso é um baita de um equívoco. 

Tem muita gente cantando por aí que seria um artista muito melhor ,se ao invés de compor, tentasse desenvolver um universo estético próprio com as composições de outros.

14 setembro 2009

Encontros humanos extraordinários

Ter encontros humanos extraordinários é uma das melhores coisas que a música proporciona.


Por conta da paixão dividida pela música , pude(posso)  me tornar amigo instantaneamente de pessoas das mais variadas histórias, etnias , línguas e aparências. Poucas coisas na vida me fazem mais feliz do que encontrar gente apaixonada por música.


Semana passada perdi um desses amigos. Conheci Ramiro Mussoto , nos corredores dos estúdios da vida. Estava produzindo um disco e precisava de um pandeiro. O engenheiro de som me sugeriu que pedisse ao percussionista que gravava no estúdio do lado , um cara alto e simpático com sotaque hispânico, com quem já tinha trocado algumas palavras.  Pedir um instrumento por empréstimo para um músico é na melhor das hipóteses como pedir uma escova de dente emprestada, na pior, como sugerir que o sujeito empreste a mulher.


A gravação não andava , o relógio corria  então ,totalmente constrangido, fui ao estúdio do lado como se fosse para o cadafalso, me sujeitar ao não inevitável.


Ramiro, não apenas me ofereceu uma variedade de pandeiros para escolher , mas me apresentou uma pequena sala que, entre mil instrumentos, continha a maior coleção de berimbaus do planeta.


Com esse gesto de excepcional generosidade, Ramiro ganhou a minha gratidão eterna e eu ganhei um interlocutor inteligente e articulado para falar do assunto que eu mais gosto. Seguiram-se dezenas de encontros em estúdios e camarins, uma eventual correspondência por email  e mais do que tudo uma indefinível comunhão espiritual, que faz com que pessoas que pouco se conhecem se tornem torcedores pelo sucesso do outro.


A música brasileira ficou mais pobre, sem o Ramiro aqui para apontar novas direções. Ele partiu , mas a música, sua  paixão, está aí para sempre.